Era uma lata de sardinha. E se movia.
O ônibus à minha frente estava mais lotado que festa de 15 anos de pobre. Era incrível como ainda entrava gente naquela lotação [nunca uma palavra foi tão fiel ao seu significado], era um verdadeiro mix de suor, pisadas e reclamações. Era o D-504.
Sarah acordou cedo, realizou suas tarefas e se perfumou toda para sair para o serviço, do outro lado da cidade. Sarah foi ao ponto de sempre, pegou o ônibus de sempre, e se viu no aglomerado de sempre. O perfume há muito tinha se misturado com outros odores menos agradáveis ao olfato, a roupa passada estava mais amarrotada que capa de sofá de cabeleireira, a pasta em suas mãos era problema dela, os pirralhos sentados em boa parte dos bancos faziam algazarra, pareciam todos da mesma
Guno estava inconformado. A noite havia sido uma peregrinação entre bares e calçadas. Aquele desenvergonhada não tinha o direito de ter feito isto com ele, não tinha.... Com o vizinho... Ah se ele fosse valente... mas só o era com uma coisa: a água que passarinho não bebe, a cachaça. E agora tinha que estar ali, naquele emprego ótimo, dirigindo aquele caminhão de detritos, e ainda tinha que balançar a cabeça para espantar aqueles dois ônibus que estavam mais à frente... dois ônibus exatamente iguais...
Todo mundo [ou]viu. O barulho foi tão grande, que pescadores ao longe o ouviram bem, segundo disseram num jornal sensacionalista depois. Sarah estava ouvindo sua música predileta, no MP3 ganho naquela promoção da rádio. Era um meio de escape, daquela situação de aperto que tanto detestava. Talvez por isso tenha visto tudo em câmera lenta, como num clipe. O caminhão saindo da faixa e vindo na contramão, a tentativa de desvio do motorista do ônibus D-504, o choque, a quebra da proteção da ponte, a queda livre, a batida na água, a mesma se embrenhando por entre braços, pernas e afins em desesperado movimento. Sarah não se moveu. O clipe estava acabando...
Dizem que as portas do ônibus não abriram de tão cheio que estava. Dizem que este afundou rapidamente, devido ao peso humano contido em seu interior. Dizem que encontraram uma jovem, com uma pasta na mão e fones nos ouvidos, com um sorriso esboçado no rosto sem vida.
Moral da história: Latas de sardinha não foram feitas para andar em pontes trafegadas por motoristas cornos e bêbados.
By Mr. Ironia (♂)
6 comentários:
Que verdadeiro inferno, hen?!
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Oh my God, verdadeiro inferno mesmo. Muito legal o post. Deve ser a quinta vez que venho aqui.
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Pegar ônibus lotado é a pior coisa que uma pessoa pode passar...aqui em BH os ônibus tb vivem cheios. Horário de pico então, é aquela fila de carros...rs...um trajeto que poderia durar meia hora, vira duas horas. Ninguém aguenta!
Abraço,
=]
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Prezado casal irônico.
Adorei o texto de vocês.
Lembrei do tempo que morei em Sampa e ia a pé pro trabalho pra não chegar suja. Parece pretensão minha? Mas não é. Tomar banho, vestir roupas limpas e chegar com odores do mundo todo no corpo? Ninguém merece.
Abraços da
Fada
Se quiserem, passem lá em casa.
http://fadasafada.blogspot.com/
Ao menos assim, a água amenizou o mix de odores e dissabores... foi um alívio a todos envoltos na situação.
@alive, still
e ainda deu uma refrescada em todos.
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